PAULO DE MORAIS |
Uma cena falhada
Se os partidos querem candidatar os seus dinossauros autárquicos a um quarto mandato vão ter de o assumirPor:Paulo Morais, Professor Universitário
Adescoberta de uma gralha na lei de limitação de mandatos
autárquicos constitui uma cena burlesca. Ao fim de oito anos, a Presidência da
República detetou a troca de um "da" por um "de", na transposição da Lei para o
Diário da República. Anedótico. E grave.
Os portugueses ficam assim informados que, doravante, jamais
poderão confiar na legislação publicada no Diário da República. Pode enfermar de
gralhas, erros ou omissões cuja correção aparecerá apenas anos mais tarde,
quando der jeito a alguém.
Está provado que ninguém lê, corrige os diplomas ou sequer
confronta a legislação aprovada com a que é efetivamente publicada. Já se sabia
que o sistema tinha capacidade de interpretar as leis em função da sua
conveniência; o que não se imaginaria é que ainda se entretivesse a
falsificá-las. Caberá agora a Cavaco Silva esclarecer se o Diário da República é
para levar a sério e informar-nos se que o que lá se lê é legislação ou
distorção.
Quanto à limitação de mandatos autárquicos propriamente dita, a
confusão não poderia ser maior. Foram, nas últimas semanas, emitidas inúmeras
opiniões de juristas, pareceres afinal alicerçados numa Lei que estaria
inquinada por um pecado original de redação. Pecadilho que não terá preocupado
os legisladores aquando da discussão da Lei e erro que afinal ninguém detetou. E
que ainda por cima nem sequer pode ser corrigido.
Já não há agora saída airosa possível. A estratégia de redução
de danos para os políticos terá de passar, inevitavelmente, por uma nova
discussão da legislação no Parlamento. Os partidos com representação na
Assembleia da República vão ter de se assumir.
E bom será que nem venham tentar novas interpretações. Os
parlamentares não têm legitimidade para interpretar leis, pois, tendo funções
legislativas, não podem imiscuir-se em funções do poder judicial; estariam dessa
forma a violar o princípio da separação de poderes.
Chegou a hora da verdade para os partidos. Se querem candidatar
os seus dinossauros autárquicos a um quarto mandato consecutivo vão ter de o
assumir. A estratégia de querer eternizar o poder, fingindo que o querem
renovar, falhou.
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